sábado, 2 de maio de 2015

Leandro Boldrini: uma certa propensão para gravações


AUDIÊNCIA DE LEANDRO BOLDRINI EM 11 DE FEVEREIRO DE 2014 FOI GRAVADA POR ELE SEM CONHECIMENTO DO JUIZ

Arquivo pessoal / Em uma festa onde toda a família deveria estar reunida, Bernardo não está presente. Pobre Bê: a tragédia já se fazia anunciar.

O médico Leandro Boldrini possui um gosto bastante recorrente para gravar eventos: ele gravou o velório de Odilaine Uglione (pasmem!), ele gravou as imagens de maus-tratos infringidas ao menino Bernardo (eu achava que gravações em família eram somente para eternizar momentos felizes), ele gravou a sua primeira audiência em fevereiro de 2014, sem o conhecimento do Juiz Fernando Vieira dos Santos. Audiência na qual ele prometia melhora na situação de Bernardo e ela só piorou.

Disponível em: g1.globo.com/rs/esse-guri-deve>. Caetanno Freitas e Jonas Campos Do G1 RS e da RBS TV, em Três Passos. Acesso em 01/05/2015.

OUÇA A GRAVAÇÃO E NA SEQUÊNCIA A TRANSCRIÇÃO DA GRAVAÇÃO DE 11/02/2014. 
(Depois de clicar sobre o link, aguarde alguns segundos para o início do áudio)

http://globotv.globo.com/rbs-rs/g1-rs/v/ouca-audiencia-de-leandro-boldrini-no-mp-apos-denuncia-de-bernardo/3617466/


Leandro Boldrini / Reprodução RBS TV.

Esse áudio foi recuperado pela perícia técnica do celular do médico Leandro Boldrini e revela trechos da audiência de conciliação que houve entre Bernardo e o pai em 11/02/2014. Na sessão se encontravam presentes ainda: o Juiz Fernando Vieira dos Santos, a Promotora Dinamárcia Maciel e a advogada Fernanda, que conforme disse Leandro Boldrini ao Jornal Zero hora, foi contratada uma hora antes da audiência:

- "Fiquei apavorado, levei um susto. Imagina, você ali, um oficial de Justiça apresentar intimação, você réu num processo sobre questão da guarda do filho, pensei: "Meu Deus, mas o que está acontecendo". E a audiência era uma hora depois. Eu fazendo exames, trabalhando e, às 9h45min, uma hora antes, chega um oficial de Justiça e diz: "Doutor, isso é a respeito de uma audiência com o Bernardo, a respeito da guarda dele, o senhor tem que estar lá às 11h". Eu disse: "Bá, vou ter que ir lá". Fui atrás de um advogado, consegui achar por acaso uma advogada para me acompanhar. Foi uma coisa que me deu um susto." - Leandro Boldrini

Enquanto nenhum documento foi formalizado em relação à denúncia de Bernardo, Leandro Boldrini por sua vez, teve todo o cuidado mesmo à revelia do Juiz, gravar um bom trecho da sessão, cujo teor veio a público depois da morte de Bernardo, quando a perícia recuperou o conteúdo das gravações:

JUIZ:
- "Tudo Bem? Pode sentar. Certo, doutora Fernanda, nós marcamos uma coisa meio inusitada, em cima do laço, mas é pela situação, né? Uma situação muito tocante para mim particularmente, vou iniciar falando disso. O Bernardo esteve aqui no Fórum. É uma coisa que nunca tinha me acontecido. Uma criança vir pedir ajuda, pedir socorro, aqui no Fórum, dizer 'Ó, eu quero falar com fulano, com Juiz, eu tô precisando'. Então a gente marcou essa audiência para tentar conversar a respeito do, doutor Leandro, sobre essa situação do Bernardo."

- "Nós conversamos bastante com ele, depois ele foi encaminhado ao Ministério Público, que já tinha um expediente em andamento desde novembro de 2013. Com algumas notícias que vinham do Conselho Tutelar, da Escola, do Serviço Social do Município também. A impressão que a gente, né, doutor Leandro, presumíveis as dificuldades de vida dele, por tudo o que aconteceu com a mãe do Bernardo. Ele está em uma situação, a postura dele revela, abandono afetivo. Pelo menos é o que ele sente. Do pai, né, e uma certa aversão da madrasta. Essa é a queixa do Bernardo. Ele traz para nós, um quadro que em casa é o lugar 'onde menos estou, meus problemas até falo para o pai e não adianta. A madrasta só me xinga'." 

- "A vontade dele é morar em outro lugar. Esse é o pedido dele. Qualquer pessoa que chega a conversar com ele, que ele tiver oportunidade de falar, vai ouvir isso dele. É algo que ele fala com muita naturalidade: 'Não quero mais ficar em casa, quero achar outro lugar, com outra pessoa para me cuidar.' Bom, então isso nos preocupa, né, doutor Leandro?"

- "Evidente que não estamos falando de um caso como a gente vê, que há uma, é muito comum, ver questões de queixa do filho em relação ao pai, ver que o filho está aprontando em casa, e tal, uns dois meses atrás, tinha uma menina que estava com uma queixa da mãe. Fomos investigar e não era isso. E o Bernardo, pelo contrário, ele vai onde quer, o doutor Leandro deixa ele ir visitar os colegas e tudo. Mas, há uma certa falta de referencial dele, da família, da casa dele como local de proteção."

- "Ele está com dificuldade de se perceber como alguém querido dentro da casa. Uma certa indiferença paterna e uma agressividade da madrasta. Então, doutora, a gente chamou essa audiência hoje, tomamos o cuidado de fazer em cima do laço, porque o Bernardo, na fala dele, traz que o pai não gosta quando 'eu me queixo, vou buscar ajuda'. Tem uma situação descrita, claro que ninguém, gosta, doutora Fernanda, de receber uma visita do Conselho Tutelar, mas mostra uma resistência da família do Bernardo de tentar entender o problema e resolver o problema."   

- "Então, a audiência é para conversar nesse assunto, tivemos o cuidado de fazer essa intimação hoje, temendo que o Bernardo sofresse algum tipo de represália, talvez até de um constrangimento em relação à família. Ele está bem tranquilo hoje. Falando com a tranquilidade que lhe é peculiar, a respeito desse assunto. Gostaríamos de ouvir, doutora , o que vocês pensam."

PROMOTORA: 
- "Só gostaria de fazer um parênteses, que no mês de novembro, nós recebemos um encaminhamento feito em conjunto com o Conselho Tutelar, CRE'se e pela Escola Ipiranga. Os três órgãos me mandaram uma correspondência, com relatórios, enfim, dizendo da preocupação com o menino. Do seu filho, no caso, o senhor que é uma pessoa respeitada, conhecida, enfim. E que o menino tem esse capítulo aí, essa situação trágica no passamento da mãe dele. E que o menino, no resumo do do relato desses três órgãos, o menino estaria sendo cuidado pelas famílias amigas. E não pelo pai e pela madrasta."

 - "Bom, feito isso, eu solicitei que me mandassem cópias dos atendimentos, que me relatassem da melhor forma do caso, pedi que fizessem histórico dos atendimentos. Porque tinham me mandado uma notícia única, né. Então eles me mandaram esses documentos onde eles indicavam que o Bernardo manifestaria que gostaria onde morar com a família aqui, de Três Passos... "

LEANDRO:  
- "Sim, o tio Carlinhos e tudo."

PROMOTORA: 
- "Sim, que ele gostaria de morar com essa família ou então com  a avó em Santa Maria. Bom, o que aconteceu. Considerando que a avó tem um vínculo consanguíneo, é mãe da mãe, enfim, nós mandamos uma carta precatória para que essa senhora fosse... 

JUIZ:
- "Só para interromper, doutora Fernanda, que a lei fala em gradação: família natural, família extensa, família substituta. São três graus."

PROMOTORA:
- "E eu queria saber da avó, se ela tinha contato com esse menino e, se tendo algum contato, sabia se essa história era pertinente. Então, foi essa carta precatória, demorou um pouquinho para ser cumprida, mas a avó disse que apesar do pouco contato com o neto, que se o neto precisasse dela, ela estaria à disposição, mas que ela não conhecia a realidade, ao certo, do que ele estava passando aqui. E quando o expediente ficou pronto, maduro, para que eu ouvisse o senhor e o casal de Três Passos, eu fui surpreendida com o doutor, que chegou na promotoria com o Bernardo."

JUIZ:
- "Ele foi barrado lá embaixo. O guarda...Como assim? 'Não, mas é que eu quero falar com ele, não sei o que', então chamou o rapaz...Então o Gabriel veio e me disse 'tem um rapazinho que quer falar com o senhor. Mas o que que é? 'O nome dele é Bernardo, mas não sei quem ele é'. Aí, quando ele entrou na sala, que eu vi, daí claro que fomos conversando; falei 'pô, mas que que foi? Ele começou a falar e se emocionou muito ao relatar a situação, né. Mas, enfim, aí eu encaminhei ao MP."

PROMOTORA:
- "Então, quando ele chegou, eu disse: 'Olha, eu te conhecia só de relatórios, eu ia fazer uma audiência aqui na promotoria chamando o pai, chamando... É verdade que você gosta muito de fulano, beltrano? 'Sim, sim, eu tava na casa deles agora, els me cuidam muito.' Então aquela função."

ADVOGADA:
- "É a tia Ju?"

LEANDRO:
- "A tia Ju e o Carlinhos lá."

PROMOTORA:
- "Então, o que nós fizemos: eu solicitei ao meu funcionário que fosse à senhora ali, dona Ju, né? Fosse ver se tinha algum fundamento com o que o menino dizia. E eles disseram que adoram o Bernardo, que são seus amigos, e que de forma informal, assim como vem acontecendo, eles tem o maior prazer de cuidar do Bernardo. mas, se fosse para pegar a guarda do Bernardo, eles não querem, porque eles não querem se indispor com o senhor."

LEANDRO:
- "Claro, eu imagino".

PROMOTORA:
- "Então, com isso aí, com esse inusitado, porque para mim, estou com 15 anos de profissão, e é a primeira vez que um menino me procura nessa situação. Então, já houve casos inversos, o pai trazer pra me entregar porque não quer mais ficar. Mas a criança nos procurar, nunca houve. Então, eu judicializei, coloquei tudo em um papel, juntei os relatórios que nós tínhamos, para que a gente fizesse essa reunião, essa audiência, para efeitos práticos, para que alguma coisa pudesse ser resolvida qui. E preservando sempre a Justiça, para que não desse mais deslocamentos."

JUIZ:
- "Isso a gente sabe, né doutora, que as pessoas assim, que são mais visadas...É muito complicado. Então, doutor Leandro, a gente tem essas alternativas, para a situação do Bernardo. Eu conversei bastante com ele. A doutora Dinamárcia presenciou. Eu disse: 'vamos conversar com o pai e a madrasta, vai que isso melhora'. 
Acho que ele se sente esgotado. Acho que ele deve ter tentado muito, de alguma forma se comunicar." 

- "Sei lá, se ele foi claro com isso, com vocês, mas a impressão que dá, né doutora, é que ele se sente desvinculado afetivamente, doutor, não daquela forma que a gente vê, com a família. É aquela situação de abandono afetivo. Ele fica assim: 'poxa, e agora vou fazer o que? Correr e contar para quem?' E ele vem aqui no Fórum. É uma situação bem difícil. Então, doutor Leandro, o que o senhor acha dessas alternativas? Morar com a tia Ju, com a avó, o que o senhor pensa a respeito disso?"

LEANDRO:
- "Eu acho que esse guri, ele deve ficar na minha casa. Como meu filho, como uma coisa natural, assim. Tu entendeu? Porque, assim, ó: com certeza, a tia Ju e o tio Carlinos, isso aí, são nossos amigos. Não teria fundamento. Com a avó materna...

ADVOGADA:
- "Então, doutor, com a avó materna é uma coisa que se arrastou. Principalmente, depois do falecimento da Odilaine. E gerou processo, processo tramitou em Santa Maria. Foi feito na época um laudo; um laudo que foi oficiado em Santa Maria. E a avó, ao contrário do mencionado aqui, trouxe até a pasta. A avó não apresentava condições de cuidar da criança. ´E uma situação bem complicada, complicada já com a mãe. Mãe e filha. Odilaine e Jussara, não tinham um relacionamento saudável."

LEANDRO:
- "Não tinham um relacionamento saudável."

JUIZ:
- "Certo, entendi. Então, essa alternativa da avó, não estaria de acordo?

LEANDRO: 
- "A pior, a pior.Se existissem todas, acho que essa seria a pior."

ADVOGADA:
- "Até aqui esta avaliação psicológica. Tem uma situação da avó com bebida alcoólica. Toda essa situação bem complicada, que o Bernardo, inclusive conhecia essa situação. Mãe e filha não se davam bem. A própria Odilaine saiu de casa aos 14 anos e foi para um...

LEANDRO:
- "É uma situação parecida com o que está acontecendo agora."

ADVOGADA:
- "A Odilaine saiu de casa em razão de que não tinha um relacionamento amoroso com a mãe. E a Odilaine foi morar em casa de passagem?"

LEANDRO:
- "Em casa de passagem e depois no padrinho dela."

ADVOGADA:
- "E a Odilaine cortou o relacionamento com a mãe. E aí depois, somente com o nascimento de Bernardo é que houve uma reaproximação muito pequena."

LEANDRO:
- "E muito tempo depois."

ADVOGADA:
- "E muito tempo depois. Não tem esse relacionamento com a avó. É bem complicado. Inclusive tem processos; processos que estão tramitando aqui, e que a própria avó quer de volta objetos que ela deu para a Odilaine de presente, ela quer de volta."

JUIZ:
- "E essa alternativa da madrinha?"

PROMOTORA:
- "Que reside aqui..." (Nesse ponto termina a gravação.)

OBSERVAÇÃO: Em 31 de janeiro de 2014, o Ministério Público entrou com o pedido de audiência. Dia 03 de fevereiro de 2014, a audiência foi marcada para dia 11 do mesmo mês, apenas 15 dias depois de Bernardo ter procurado a Justiça. Nessa audiência, os dois, pai e filho foram ouvidos em separado e depois juntos. Leandro Boldrini prometeu dar mais atenção ao filho e também ajudar na melhoria do relacionamento do menino com a madrasta, Graciele Ugulini. Após saber da audiência surpresa, Graciele Ugulini deu pulos de raiva e foi aí que ela sentenciou à Andressa Wagner que conhecia matadores que poderiam dar fim no garoto. A tentativa de assassinato por asfixia com travesseiro tentada contra o menino em 2012, a tentativa de aliciamento de Sandra Cavalheiro, em janeiro de 2014, a omissão, a consideração (em outras palavras, o que poderiam pensar), a subavaliação das palavras da madrasta, as condições degradantes visíveis de vida de Bernardo: nenhuma dessas questões teve peso considerável sobre a vida de Bernardo, nem mesmo o fato do menino se encontrar sob tutela da Justiça, disso resultando sua morte precoce aos 11 anos de idade, em 04/04/2014. A madrasta, apesar da agressividade manifestada ao menino nunca foi procurada para esclarecimentos, até sua prisão em 14/04/2014, depois do corpo de Bernardo ter sido encontrado em um matagal às margens do Rio Mico, na localidade de Frederico Westphalen, quando a cúmplice Edelvânia Wirganovicz revelou o local. Não era só ganância, era insensibilidade e ódio gratuito de pai e madrasta em relação do menino. E principalmente descaso e subestimação à ação da Justiça, por suas posições (médico e enfermeira) frente à sociedade.

Um comentário: