quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Caso Bernardo: as crianças são invisíveis


CASO BERNARDO: O MUNDO É DOS ADULTOS E AS CRIANÇAS SÃO INVISÍVEIS

Reprodução: arquivo pessoal

Transcrição do texto de Madeleine Lacsko (jornalista profissional e mãe experimental), publicado em 29/08/2014. Disponível em:

É difícil a gente conseguir elaborar um pensamento sobre esse caso escabroso do assassinato do menino Bernardo. Mas crianças como ele são abusadas diariamente e a sociedade saberá repetir diariamente os abusos que uma criança sofre da própria  família.

As pessoas que são criadas em famílias normais, com mais ou menos problemas, mas incapazes de abusos físicos e psicológicos contra uma criança, tem uma visão romantizada e idealizada do papel de mães, pais e tutores. E é dessa ingenuidade que se constrói o instrumento da tortura perpétua da sociedade contra a criança abusada. 

Antes de ser assassinado, o menino pediu ajuda. Toda criança vítima de abuso sabe que só se faz isso em último caso, quando se acha que há risco de morrer logo e esperança de intervenção. As crianças sabem que os adultos se protegem. Quando reclamam, sabem que isso será comunicado ao adulto para que ele tenha a oportunidade de inventar desculpas para as atrocidades que faz, passar de coitadinho e depois descontar de uma forma pior ainda.

Foi exatamente o que as autoridades fizeram no caso do menino Bernardo. Chamaram o pai, conversaram com ele e mandaram o menino para casa. Afinal, pai é pai, né? Toda criança assassinada em episódio de violência familiar tentou reclamar antes, podem conferir. Mas adulto não acredita nisso, principalmente se teve uma infância tranquila ou é bom com crianças.

Quantas pessoas você já viu dando conselhos de "jamais cortar os laços" entre o pai e a mãe que abandonaram e a criança abandonada? Pensando friamente, existe coisa mais canalha e covarde do que largar uma criança à própria sorte? Quem é capaz disso é capaz de qualquer coisa. Mas as pessoas são capazes de submeter uma criança ao jugo de um monstro desses. Porque quando olham não veem o monstro, reproduzem de maneira infantil, a figura idealizada de mãe e pai que aprenderam na própria infância.

Se a criança não morre nas mãos do abusador e se consegue superar os traumas que ele produz e reitera diariamente por anos, passará a ser abusada pela sociedade quando adulta. O abusador desfruta livremente da impunidade quando não chega a matar a criança.

O que abandonou há de voltar, sempre com uma história muito triste, tentando justificar o abandono. O que abusava diariamente vai negar tudo, também sempre com uma história muito triste. E a criança abusada será cobrada porque, afinal, pai é pai, mãe é mãe. A pessoa passará a ouvir "ah, mas você tem que perdoar, é sua mãe", "ah, mas de qualquer maneira, pai é pai e agora ele assumiu", "nossa, você sofreu isso, mas ele te criou", "ah, mas pensa bem, por outro lado ele fez tanto por você".

Quando envelhece, o abusado continua utilizando o conceito de ingratidão. A maioria das pessoas vai efetivamente condenar a criança que não quer laços com seus  abusadores ou não quer passar a vida sendo abusada de diferentes formas.

Muito gente está chocada com a gravação revelada pela RBS mostrando o inferno que o menino Bernardo vivia em casa. Eu não consegui ouvir tudo, confesso. Se você conseguir, reflita profundamente: quantos  meninos Bernardos você já tentou fabricar com conselhos ingênuos? Quantos meninos Bernardos adultos você condenou por "ingratidão" contra os pais?

A maldade existe e muitas vezes ela se esconde sobre o que deveria ser mais sagrado no mundo: a maternidade, a paternidade, o sentimento de família. Os adultos tem o dever de proteger as crianças e as vezes, infelizmente, isso significa que precisamos nos despir de nossas fantasias infantis para olhar a realidade como ela é. Infelizmente, poucos adultos estão dispostos a isso.

JUSTIÇA PARA ODILAINE E BERNARDO UGLIONE BOLDRINI!

Um comentário:

  1. Fico sempre pensando: por que Bernardo você não fugiu de lá?Por que sempre voltava pra sua "casa"?

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