AS CRENÇAS E O GRITO DO INOCENTE BERNARDO
Foto Reprodução: Pinterest / Bruna Braga
Texto do advogado Caleb Salomão Publicado no Jornal Diário de Cuiabá em 13/05/2014.
Caleb Salomão é advogado e professor de Direito Constitucional da
Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Publicou no Brasil, a obra “Artigos para
Amar”. Escreveu também outros livros na área do Direito, como o recente “Constituição
1988 – 25 anos de valores e transições”. Endereço eletrônico:
www.calebsalomão.com.br
Bernardo Uglione Boldrini, como todo criança, alimentava fé
incondicional naqueles que tinham por obrigação lhe dar abrigo e proteção,
material e emocional, física e psicológica.
Tinha absoluta fé em sua mãe. Ligado espiritualmente àquela que lhe
trouxe ao mundo, via em sua presença um porto seguro capaz de lhe oferecer
segurança em qualquer circunstância. Este porto seguro sucumbiu diante da
violência. Psicológica, se se confirmar a tese de suicídio dentro da clínica do
marido e pai; física, se se confirmar suspeitas ressurgidas após o assassinato
de Bernardo.
Roubada a sua fé na maternidade pela perda abrupta de sua mãe, sua
primeira crença se dissipou. Mas a humanidade de Bernardo logo o encaminhou
para uma nova fé. Nalgum momento, ele depositou suas crenças em seu pai e sua
madrasta. O viúvo de sua mãe, cujo sangue ele representava, seria o seu porto
seguro. E ainda teria o amparo da nova companheira de seu pai. Pode-se imaginar
o conforto emocional de Bernardo quando viu sua vida sendo recomposta: ele
seria, outra vez, parte de uma família.
Não demorou muito para esta fé se revelar vã. Desamparado
afetivamente a partir do exercício displicente do dever da parentalidade (que
obriga todos os responsáveis pela proteção e desenvolvimento dos inocentes e
vulneráveis), Bernardo viu frustrada sua crença na afetividade de seu pai e de
sua madrasta.
A rejeição que o vitimava dentro de usa própria casa transbordou para
escola e vizinhança. O ambiente sagrado representado por sua casa não mais lhe
oferecia aquele conforto tão desejado, o que deve ter lhe custado úmidas
lembranças de sua mãe.
Mas Bernardo, confirmando a vocação humana, encontrou outra crença,
uma nova fonte de esperança numa vida mais amorosa. Vulnerável e inocente,
Bernardo fez chegar ao Estado – Ah, o Estado, essa entidade que nos protege! –
as enormes ausências que afligiam sua pobre alma. Ausência de afeto, de
cuidados emocionais, de atenção material e de segurança.
Os representantes do Estado, burocratas de um direito, cuja
inoperância retrata a falência de uma nação, agiram segundo o protocolo, esta
entidade míope que se presta a cultuar a ineficácia.
Assistentes sociais, promotores, magistrados – grandes representantes
da burocracia que oprime pela ação ou pela omissão – apostaram na consciência
do pai, acreditando, eles também, na possibilidade de uma reviravolta ética na
vida do pai e da madrasta. Tolos! Deixaram de assistir Bernardo, em nome da
crença estúpida na reconciliação familiar. Imaginaram saber e sentir mais que a
vítima.
O resultado estava escrito nos antecedentes da humanidade e sua
insanidade repetitiva, além do comportamento reiterado dos seus responsáveis:
um casamento macabro entre interesses materiais e desprezo afetivo; Bernardo
foi assassinado, sacrificado no altar da burocracia estatal por sacerdotes do
mal que exerciam o papel de pai, de madrasta e de assistente social. Falsa
assistente social! (Grifo nosso).
Mas, é reconfortante pensar, Bernardo não tinha crença apenas nos
homens e suas limitações. Bernardo também alimentava a crença Naquele Ser que
diz a tradição, olha por nós e oferece a proteção que este mundo por vezes nos
nega.
Se todas as suas crenças foram vãs, Bernardo, que esta última não
seja. E que tenha, finalmente, encontrado a proteção, que você tanto desejou e
pelo qual procurou em pai, madrasta e Estado.
Com sua triste história Bernardo nos põe diante de uma constatação
assombrosa: as instituições que nos sustentam estão gangrenadas. Todos falharam
na proteção prometida ao inocente Bernardo desde sua concepção.
E, tristemente, nesta fábula, voltamos ao ponto de partida: a fé num
Deus cuja face desconhecemos, mas que
nos dotou dos instrumentos necessários para a construção de um mundo bem
diferente desta que aniquila inocentes como Bernardo.
Nossa incompetência, assim como nossos medos, leva-nos de volta a
Deus.
Disponível em:
http://www.liliancomunica.com.br/site/index.php/tag/bernardo-uglione-boldrini/ . Acesso em 18/01/2016.
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