ABSOLUTAMENTE NADA DE BANAL NO ASSASSINATO DO MENINO BERNARDO UGLIONE BOLDRINI, DE 11 ANOS.
Foto: Reprodução / Facebook Bernardo Uglione Boldrini
O mal não é banal: sobre o
assassinato de Bernardo Boldrini.
Transcrição do texto de Marco Weissheimer. Disponivel em:
http://www.sul21.com.br/jornal/o-mal-nao-e-banal-sobre-o-assassinato-de-bernardo-boldrini/ . Acesso em 07/01/2016.
O que poderia haver de banal ou trivial no
assassinato de uma criança de 11 anos em uma comunidade supostamente pacata do
interior do Rio Grande do Sul?
Contrariamente
ao que escreveu Hannah Arendt, não há nada de banal no mal. O brutal
assassinato do menino Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos de idade, no
município de Três Passos (RS), mostra que banal é a tese da banalidade do mal.
Cabe lembrar o significado dessa palavra tão repetida pelos quatro cantos do
mundo – e tão pouco pensada – a partir do uso que a pensadora alemã fez da
mesma. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o significado
original da palavra “banalidade” remonta a coisas pertencentes a um senhor
feudal, utilizadas pelos vassalos mediante pagamento de certo foro. Por
extensão, o termo passou a designar algo sem originalidade, comum, trivial,
vulgar.
O
que há de comum ou trivial no assassinato de uma criança de 11 anos em uma
comunidade supostamente pacata do interior do Rio Grande do Sul?
Hannah Arendt
cunhou a expressão ao cobrir, em 1961, para a revista The New Yorker,
o julgamento do nazista Adolf Eichmann por crimes de genocídio cometidos
durante a Segunda Guerra Mundial. O recente filme de Margarethe Von Trotta, que
reconstitui a passagem de Arendt por esse julgamento, mostra como ela teria
ficado impressionada com a “aparência comum” de Eichmann e tomado suas
alegações de que seria um mero burocrata nazista cumprindo ordens superiores
como um elemento para a comprovação da tese da banalidade do mal. Para ela,
Eichmann não apresentava características visíveis de um caráter doentio e
parecia ter agido motivado por uma lógica burocrática, sem refletir sobre o bem
ou mal.
O mal, defendeu,
tem uma dimensão política e histórica e se manifesta fundamentalmente onde
encontra espaço institucional para isso. O que é perturbador no filme de
Margarethe Von Trotta é que o ponto de origem de toda essa formulação parece
ter sido a impressão subjetiva que a aparência supostamente comum (e banal) de
Eichmann causou em Hannah Arendt. Esse impressionismo foi pintado com um verniz
filosófico que até hoje encontra adeptos.
Retomemos
a pergunta feita acima: o que há de comum, ordinário ou trivial no assassinato
de Bernardo Boldrini?
É difícil ver o comum ou o ordinário se manifestando aí.
Além da dimensão insuportavelmente perversa do acontecimento em si, vale notar
a profunda e dolorida reação que causa em quase todo mundo que toma
conhecimento do mesmo. Como assim, como isso pode acontecer? O fato de os
principais suspeitos serem o pai do menino e a madrasta contribui decisivamente
para retirar o crime do terreno do ordinário, do comum, do banal. Tomando, no
sentido contrário, a imagem do filme sobre o julgamento de Eichmann, que teria
dado origem à tese da banalidade do mal a impressão que o acontecimento e seus
personagens causam é a de um evento insuportavelmente extraordinário e
demasiadamente perto de cada um de nós.
Em
editorial publicado nesta quarta-feira (16/04/2014), o jornal Zero Hora ensaia uma
politização do caso, identificando uma “aterrorizante rotina de atrocidades” no
país. “Os episódios macabros abalam não só a comunidade de Três Passos, mas a
população inteira de um país em que os limites entre a convivência civilizada e
a barbárie foram ultrapassados há muito tempo”, diz o texto. Não há nenhuma
exclusividade brasileira, e muito menos gaúcha, nas manifestações do mal. Só
pode pensar assim quem acredita ou defende a mitologia de que o Brasil é
um país abençoado por Deus e bonito por natureza, que não tem terremoto nem
vulcão, ou que o “Rio Grande” é uma terra cujas façanhas servem de modelo a
toda terra.
Acontecimentos
como este de Três Passos mostram que o mal e a perversidade não respeitam
fronteiras nem classe social e se alimentam, entre outras coisas, da ausência
ou das falhas de instituições republicanas criadas para proteger a vida.Isso
não significa se comprometer com a tese de um mal absoluto metafísico pairando
sobre a história dos homens. Há sempre uma dimensão institucional que cerca
esses episódios. No caso em questão, a atuação dos órgãos de proteção à
infância que não conseguiram prever e deter o crime que acabou se consumando.
Neste sentido, o Estado, suas instituições e as da sociedade falharam em seu
papel de proteger quem exige proteção.
Chama
a atenção uma ausência no editorial de ZH, quando ele lista uma série de
instituições que teriam alguma dose de responsabilidade no episódio: “a
família, a escola, a comunidade nas suas mais diversas formas de representação,
Polícia, Ministério Público, Conselho Tutelar e Justiça”. Apesar de mencionar
que “a reação efetiva às mortes com crueldade é uma tarefa de todos”, o texto é
incapaz de mencionar o papel que os meios de comunicação têm na construção do
que chama de “rotina de atrocidades”. Da forma como o texto é construído, a
instituição “empresas de comunicação” parece pairar acima da sociedade. Mas
esse não é o ponto central que gostaria de destacar aqui.
O
ponto é que crimes como este nos retiram do universo do banal, do comum, do
ordinário, do burocrático. Se nos dispusermos, em nome, ao menos, da dor e do
sentimento de desproteção que esse crime hediondo causa, a não levar a sério as
alegações de Eichmann, isto é, a não acreditar em carrascos, temos de ter a
decência de não tentar predar um acontecimento em nome de interesses
ideológicos e políticos.
Uma
criança foi assassinada, violentamente, e os principais suspeitos são o próprio
pai e a madrasta, com a cumplicidade de uma amiga, que se diz assistente
social. Esta criança frequentava uma escola privada, e uma das professoras
chegou a confirmar que sabia que ele passava todos os fins de semana fora de
casa e que a escola era o seu lar.
No
início do ano, Bernardo buscou ajuda, alegando “indiferença” e “desamor”. A sua
mãe, que supostamente se matou em 2010, no consultório do pai, com quem vivia,
tinha uma mãe, a avó de Bernardo, que não vinha tendo acesso à criança. Na rede
social Facebook, na página do pai e da madrasta de Bernardo, não há fotos do
menino. Temos aí um concentrado de perversidades individuais e sociais e falhas
institucionais. A banalidade, neste caso, é nenhuma. Já o mal, aparece por
inteiro, com toda a sua capacidade de nos aterrorizar e assombrar nossas vidas
ordinárias.
JÚRI POPULAR URGENTE PARA BERNARDO UGLIONE E JUSTIÇA PARA ODILAINE UGLIONE!
Nenhum comentário:
Postar um comentário