sábado, 9 de janeiro de 2016

Absolutamente nada de banal no Caso do menino Bernardo


ABSOLUTAMENTE NADA DE BANAL NO ASSASSINATO DO MENINO BERNARDO UGLIONE BOLDRINI, DE 11 ANOS.

Foto: Reprodução / Facebook Bernardo Uglione Boldrini 

O mal não é banal: sobre o assassinato de Bernardo Boldrini. 

Transcrição do texto de Marco Weissheimer. Disponivel em:
O que poderia haver de banal ou trivial no assassinato de uma criança de 11 anos em uma comunidade supostamente pacata do interior do Rio Grande do Sul?

Contrariamente ao que escreveu Hannah Arendt, não há nada de banal no mal. O brutal assassinato do menino Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos de idade, no município de Três Passos (RS), mostra que banal é a tese da banalidade do mal. Cabe lembrar o significado dessa palavra tão repetida pelos quatro cantos do mundo – e tão pouco pensada – a partir do uso que a pensadora alemã fez da mesma. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o significado original da palavra “banalidade” remonta a coisas pertencentes a um senhor feudal, utilizadas pelos vassalos mediante pagamento de certo foro. Por extensão, o termo passou a designar algo sem originalidade, comum, trivial, vulgar.

O que há de comum ou trivial no assassinato de uma criança de 11 anos em uma comunidade supostamente pacata do interior do Rio Grande do Sul?

Hannah Arendt cunhou a expressão ao cobrir, em 1961, para a revista The New Yorker, o julgamento do nazista Adolf Eichmann por crimes de genocídio cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. O recente filme de Margarethe Von Trotta, que reconstitui a passagem de Arendt por esse julgamento, mostra como ela teria ficado impressionada com a “aparência comum” de Eichmann e tomado suas alegações de que seria um mero burocrata nazista cumprindo ordens superiores como um elemento para a comprovação da tese da banalidade do mal. Para ela, Eichmann não apresentava características visíveis de um caráter doentio e parecia ter agido motivado por uma lógica burocrática, sem refletir sobre o bem ou mal.

O mal, defendeu, tem uma dimensão política e histórica e se manifesta fundamentalmente onde encontra espaço institucional para isso. O que é perturbador no filme de Margarethe Von Trotta é que o ponto de origem de toda essa formulação parece ter sido a impressão subjetiva que a aparência supostamente comum (e banal) de Eichmann causou em Hannah Arendt. Esse impressionismo foi pintado com um verniz filosófico que até hoje encontra adeptos.

Retomemos a pergunta feita acima: o que há de comum, ordinário ou trivial no assassinato de Bernardo Boldrini?

É difícil ver o comum ou o ordinário se manifestando aí. Além da dimensão insuportavelmente perversa do acontecimento em si, vale notar a profunda e dolorida reação que causa em quase todo mundo que toma conhecimento do mesmo. Como assim, como isso pode acontecer? O fato de os principais suspeitos serem o pai do menino e a madrasta contribui decisivamente para retirar o crime do terreno do ordinário, do comum, do banal. Tomando, no sentido contrário, a imagem do filme sobre o julgamento de Eichmann, que teria dado origem à tese da banalidade do mal a impressão que o acontecimento e seus personagens causam é a de um evento insuportavelmente extraordinário e demasiadamente perto de cada um de nós.

Em editorial publicado nesta quarta-feira (16/04/2014), o jornal Zero Hora ensaia uma politização do caso, identificando uma “aterrorizante rotina de atrocidades” no país. “Os episódios macabros abalam não só a comunidade de Três Passos, mas a população inteira de um país em que os limites entre a convivência civilizada e a barbárie foram ultrapassados há muito tempo”, diz o texto. Não há nenhuma exclusividade brasileira, e muito menos gaúcha, nas manifestações do mal. Só pode pensar assim quem acredita ou defende a mitologia de que o Brasil  é um país abençoado por Deus e bonito por natureza, que não tem terremoto nem vulcão, ou que o “Rio Grande” é uma terra cujas façanhas servem de modelo a toda terra.

Acontecimentos como este de Três Passos mostram que o mal e a perversidade não respeitam fronteiras nem classe social e se alimentam, entre outras coisas, da ausência ou das falhas de instituições republicanas criadas para proteger a vida.Isso não significa se comprometer com a tese de um mal absoluto metafísico pairando sobre a história dos homens. Há sempre uma dimensão institucional que cerca esses episódios. No caso em questão, a atuação dos órgãos de proteção à infância que não conseguiram prever e deter o crime que acabou se consumando. Neste sentido, o Estado, suas instituições e as da sociedade falharam em seu papel de proteger quem exige proteção.

Chama a atenção uma ausência no editorial de ZH, quando ele lista uma série de instituições que teriam alguma dose de responsabilidade no episódio: “a família, a escola, a comunidade nas suas mais diversas formas de representação, Polícia, Ministério Público, Conselho Tutelar e Justiça”. Apesar de mencionar que “a reação efetiva às mortes com crueldade é uma tarefa de todos”, o texto é incapaz de mencionar o papel que os meios de comunicação têm na construção do que chama de “rotina de atrocidades”. Da forma como o texto é construído, a instituição “empresas de comunicação” parece pairar acima da sociedade. Mas esse não é o ponto central que gostaria de destacar aqui.

O ponto é que crimes como este nos retiram do universo do banal, do comum, do ordinário, do burocrático. Se nos dispusermos, em nome, ao menos, da dor e do sentimento de desproteção que esse crime hediondo causa, a não levar a sério as alegações de Eichmann, isto é, a não acreditar em carrascos, temos de ter a decência de não tentar predar um acontecimento em nome de interesses ideológicos e políticos.

Uma criança foi assassinada, violentamente, e os principais suspeitos são o próprio pai e a madrasta, com a cumplicidade de uma amiga, que se diz assistente social. Esta criança frequentava uma escola privada, e uma das professoras chegou a confirmar que sabia que ele passava todos os fins de semana fora de casa e que a escola era o seu lar.

No início do ano, Bernardo buscou ajuda, alegando “indiferença” e “desamor”. A sua mãe, que supostamente se matou em 2010, no consultório do pai, com quem vivia, tinha uma mãe, a avó de Bernardo, que não vinha tendo acesso à criança. Na rede social Facebook, na página do pai e da madrasta de Bernardo, não há fotos do menino. Temos aí um concentrado de perversidades individuais e sociais e falhas institucionais. A banalidade, neste caso, é nenhuma. Já o mal, aparece por inteiro, com toda a sua capacidade de nos aterrorizar e assombrar nossas vidas ordinárias.

JÚRI POPULAR URGENTE PARA BERNARDO UGLIONE E JUSTIÇA PARA ODILAINE UGLIONE!

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