Ele gritou, mas ninguém ouviu.
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/04/caso-bernardo-
Quando o Ministério
Público de Três Passos instaurou em 16 de dezembro de 2013, um
procedimento administrativo — o PA número 00917.00052/2013 — para apurar
suspeita de que Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, sofria negligência afetiva, o
sofrimento a que o menino órfão de mãe estava submetido já datava de mais tempo
— pelo menos, segundo registros oficiais, desde julho.
Ainda assim, mesmo que toda a cidade, a escola, o Conselho Tutelar, o Centro de
Referência Especializado da Assistência Social (Creas), o Ministério Público e
a Justiça tenham sabido, em algum momento, que ele tinha "medo",
vivia em "abandono", "em situação de risco", sujo,
malvestido, por vezes desnutrido, não existe dentro do PA que virou processo
judicial nenhum depoimento formal de Bernardo.
Há apenas recortes do que
o menino que vagava pelas ruas teria dito a autoridades e a amigos em momentos
diversos, mas nunca foi consignado em documento um depoimento completo de
Bernardo que, sozinho, na manhã de 24 de janeiro, ingressou no fórum para pedir
ajuda. Um sucinto relatório do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Cededica), que recebeu Bernardo naquele dia, registra que ele
declarou "estar sofrendo maus-tratos em casa, principalmente advindos de
sua madrasta, recebendo ofensas verbais. Relatou ainda estar com medo e
sentindo-se inseguro, pois é criticado constantemente."
No mesmo dia, ele foi
levado até a promotora da Infância e da Juventude de Três Passos, Dinamárcia
Maciel de Oliveira, que o ouviu por mais de meia hora. O que ele contou à
representante do MP não está formalizado no processo. Bernardo desapareceu e
foi morto 70 dias depois desse contato. Nesse período, ainda participou de
audiência de "conciliação" com o pai, o médico-cirurgião Leandro
Boldrini, um dos presos por suspeita de envolvimento em sua morte. O que o pai
prometeu diante do juiz e da promotora para melhorar a relação com o filho e o
que Bernardo falou, as condições que deu para aceitar permanecer sob a tutela
do pai e da madrasta, também não está escrito no processo.
MP e Judiciário defendem
que todo o procedimento no caso Bernardo foi correto e que não havia exigência
de um depoimento formal dele ser registrado.
— Houve uma subavaliação
da palavra da criança, que é sujeito de direitos. Tudo que ele falou deveria
estar consignado — avalia João Batista Costa Saraiva, juiz aposentado e
consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Zero Hora teve acesso a
documentos que contam parte da história de Bernardo, de como a rede de proteção
percebeu e registrou as dificuldades que ele enfrentava no seio familiar. O
material mostra registros oficiais de órgãos da rede de proteção que datam de
pelo menos desde julho de 2013.
— Tão importante quanto
buscar as responsabilidades pelo crime, é aprender com o caso em concreto,
estudar o que ocorreu, capacitar melhor as pessoas. O aprendizado tem de ser
usado em casos futuros, para que eventuais equívocos, eventualmente cometidos,
sejam evitados — defende o desembargador José Antônio Daltoé Cezar, que atuou
por mais de duas décadas na área da Infância e Juventude.
OBSERVAÇÃO: Dom Odilo Scherer, cardeal arcebispo metropolitano de São Paulo, alerta em um programa de TV, sobre o perigo da "invisibilidade" de crianças e idosos na nossa sociedade. Chega ao ponto de serem considerados "inservíveis", acarretando com isso, abandono, negligência afetiva (falta de carinho), pressão psicológica, chegando ao extremo da agressão física e muitas vezes tendo a morte como resultado.
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