sábado, 19 de julho de 2014

Quando tudo Começa: A História de Bernardo Uglione Boldrini


QUANTO TUDO COMEÇA



FONTES:  os textos escritos são compilados dos seguintes veículos de comunicação na Internet: G1/RBS TV, R7, Jornal Zero Hora, Diário de Santa Maria, jornal "A Razão", WH3.com.br, Radio Gaúcha, Extra SM, Jornal das Missões.



Odilaine (mãe), Bernardo e Jussara Uglione (avó materna).

Primavera de 2002, 06 de setembro, nasce Bernardo Uglione Boldrini, apelidado Bê, na cidade gaúcha de Santa Maria:
- “Esta cidade sempre foi uma referência para Bernardo, ele vinha muito para cá, mesmo depois do falecimento da Odi “- afirma a madrinha Clarissa da Silva Oliveira.
Filho único de Odilaine Uglione e Leandro Boldrini: ela, enfermeira, filha única de Jussara e Ângelo Uglione, primeiro representante da Chevrolet na região. Ele, filho de Amélia Rebelato e Irildo Boldrini, caçula de três irmãos, médico formado na turma de 1999 da Faculdade Santa Maria. Clarissa da Silva é a madrinha, amiga de sua mãe e com quem Bernardo sempre manteve contato. A mãe de Odilaine, Jussara, era contra o namoro pois considerava o genro um homem muito mulherengo. 


Devido a isso, o casal foi morar então em Campo Novo, cidade natal de Leandro. Bernardo nasceu um ano depois do casamento e ainda bebê foi levado para Três Passos, noroeste do Rio Grande do Sul, onde permaneceu até sua morte em 04 de abril de 2014. As diferenças entre a avó e o pai deixaram uma lacuna no relacionamento com a família que ela só foi conhecer o neto quando ele completou três anos. Entretanto, depois disso, houve uma trégua e as visitas se tornaram mais frequentes entre Capão da Canoa onde ela morava e Três Passos, onde inclusive, chegou a ficar na casa de Odilaine por duas vezes para tratamento de saúde. Com a morte de Odilaine em 10 de fevereiro de 2010, Leandro não mais permitiu a convivência entre Jussara e Bernardo e ela só foi reencontrá-lo em janeiro de 2014, quando ele veio para visitar a madrinha Clarissa. Bernardo havia chegado na virada do ano  e o revéillon foi passado com a família dela, ficando ele em Santa Maria até 10 de janeiro. 

Jussara ficou surpresa com a ligação do neto avisando que já estava na cidade. Reparou que ele estava muito magro. Ela passeou com o menino no Shopping, sendo que ele manifestou o desejo de possuir uma agenda e os dois foram buscá-la na empresa fundada pelo pai de Jussara. Ele ficou muito feliz com o presente e por estar em Santa Maria. Foram também ao Cemitério Ecumênico, visitar o túmulo de Odilaine. De lá, ele partiu com a madrinha e família, postando fotos da praia.


UMA NOVA VIDA

Após a morte de Odilaine, que supostamente teria cometido suicídio no seu consultório, Leandro avisou que queria vida nova e apenas um mês depois do acontecido, ela já circulava pela cidade de mãos dadas com Graciele Ugulini, também enfermeira e que naquela época já trabalhava em sua clínica de cirurgia. A segunda providência foi se livrar dos tão amados cachorros de Odilaine e uma das reivindicações que Bernardo faria anos mais tarde a seu pai, no Conselho Tutelar da cidade, na presença da promotora Dinamárcia Maciel de Oliveira. Uma custosa negociação entre pai e filho, pois a primeira opção era um cão que se transformou em um coelho e finalmente num aquário, mas que ele nunca chegou a possuir.O que para Leandro Boldrini, era o começo de nova vida, para Bernardo significou o início de 4 anos de muito sofrimento físico e psicológico.
No começo, a madrasta Graciele até chegou a ser vista, passeando com o garoto e fazendo o papel de mãe substituta, mas pouco depois começaram os desentendimentos e que se intensificaram, principalmente depois do nascimento de Maria Valentina, hoje aproximadamente com dois anos de idade. "Kelli", como era chamada a madrasta detestava o menino e o maltratava, falando que ele era a "semente ruim" da Odilaine, aquela louca que tinha suicidado.

Apesar de família rica, as roupas de Bernardo eram de 4 anos atrás, ainda providenciadas pela mãe. Juçara Petry é uma das "mães " adotadas por Bernardo e que lhe fornecia roupas e ele até ganhou um quarto na sua casa para ficar quando quisesse. Uma criança de 11 anos de idade, carente e subnutrida, medindo um metro e meio, pesando 35 quilos, quando o mínimo ideal para a sua idade seria 42 quilos, vagando pelas ruas de Três Passos, de porta em porta, pedindo uma mãe, até o ponto de ir sozinho até o Conselho Tutelar da cidade, quando se sentou no colo da promotora Dinamárcia, reclamando dos desmandos da madrasta e da indiferença do pai.
Carmina Negrini, vizinha da família, em entrevista a revista "VEJA" conta que em um dia de muito frio, Bernardo estava sentado de fora da sua casa, na calçada e calçando chinelos de dedo.

Um cotidiano de indiferenças, maus tratos e omissões, numa lógica  desumana e egoísta, onde a criança só é útil se for descartada, marcaram a curta vida de Bernardo Uglione Boldrini. Não era amado, não era cuidado, não era buscado na escola, aparecia sempre desacompanhado nas reuniões de escola. Não foram poucas as pessoas verem Bê pedalando sua bicicleta, tarde da noite pelas ruas de Três Passos. Passava dias nas casas de pessoas amigas e quando teimava em voltar, era repudiado pela madrasta , que não abria a porta, obrigando-o a escalar o muro, Leandro Boldrini fala que não desautorizava as atitudes da Graciele.

Clarissa da Silva Oliveira não descarta que as conversas mantidas com Bernardo teriam-no incentivado a buscar ajuda:


- "Dinda, fui ao fórum hoje falar com o juiz. Disse a ele que as denúncias que fizeram da Kelli (Graciele) eram verdadeiras e meu pai ficou brabo" - cochichou Bernardo à madrinha Clarissa, pelo celular. O menino tinha procurado o Ministério Público em janeiro para contar que estava com medo e pedir para mudar de família. 

- Estranhei os remédios, de tarja preta, muito fortes. Não tinham receituário. Ele me disse que o pai e a madrasta faziam ele tomar. Mandei não tomar, disse que falaria com o pai dele. E falei para ele conversar sobre isso na escola, pedir que os professores chamassem o pai para uma conversa, seria mais fácil do que fazer algo daqui de Santa Maria. Acho até que ele voltou para casa mais encorajado para pedir socorro. Desde a morte da mãe, ele era um menino apático. Dessa vez estava diferente, mais rebelde, reagindo. A madrinha disse já ter pedido à polícia que verifique se havia prescrição para os remédios. Segundo Clarissa, no dia da ligação, Bernardo disse que fingia tomá-los e depois os jogava no vaso sanitário.

- Fiquei preocupada, perguntei-lhe se precisava de ajuda . Ele me disse: " não, Dinda, pode deixar> Eles ( pai e madrasta) estão lá embaixo conversando, não me disseram nada. O pai só ficou brabo, mas não me fez nada".

A ida de Bernardo à Justiça ocorreu um dia depois da volta das férias na casa da madrinha. 
O telefone dele peou-a de surpresa:
- Eu não sabia de nada. Quando eu perguntava se o Kelli  o tratava bem, ele mudava de assunto, fugia.
A avó de Bernardo, Jussara Uglione estava tentando conseguir a guarda do neto, seu advogado, Marlon Taborda, mas Leandro recusou:
- " Bernardo é responsabilidade minha, ele é meu filho único, não entrego o Bernardo".

Dinamárcia Maciel de Oliveira, responsável pelo caso, diz que o menino só voltou aos cuidados do pai, porque ela resolveu lhe dar uma chance. Receoso, ainda perguntou a promotora o que ele poderia fazer se algo ruim acontecesse. Eu disse a ele para procura ajuda e correr para o Ministério Público, Não houve tempo. 
- Contra psicopatas, não existe rede de proteção imune, disse Dinamárcia.

Bernardo era um menino muito querido por seus amigos e na escola, mas se queixava frequentemente dos maus tratos e desatenção do pai. As pessoas que ouviam as reclamações, o confortavam dizendo que o pai era um homem muito ocupado.
Na idade de 11 anos, ele era uma criança muito reprimida. Numa fase em que todos os meninos possuem conta do Facebook, ele sequer aparecia nas fotos de família, onde somente eram publicadas, fotos do pai, da madrasta e da meia-irmã. Apenas um triste presságio ou a certeza incontestável da preparação de um crime covarde e injustificável? 

Bernardo cursava o 6° ano do ensino fundamental do Colégio Ipiranga, o mesmo onde eu pai havia estudado. Mesmo sem ligar para futebol, o menino gremista confidenciava a seus amigos que seu sonho era que o pai o levasse a Arena do Grêmio, para verem juntos o jogo.Isso nunca aconteceu.
Workaholic assumido, Leandro nunca tinha tempo para o filho.
A promessa de melhora no relacionamento entre os dois, foi feita por Leandro mediante pressão judicial, quando Bernardo foi ouvido pela promotora Dinamárcia, pedindo a ela uma nova família, chegando a apontar as famílias com as quais ele queria morar: Família Petry e Família Küntzell. Uma situação deveras constrangedora, afinal essas pessoas eram conhecidas do pai e da madrasta.

O garoto já havia levado surra de vassoura da madrasta, inclusive ele chegou a subir no telhado onde gritava: " não me bata, não me bata". Alarmada pelos gritos, uma vizinha chegou à janela e a madrasta desconcertada, fingiu que varria o chão. Leandro disse à vizinha que eles estavam brincando com a criança. A Brigada Militar também já havida sido acionado por vizinhos em meados de 2013, por verem o menino na janela, gritando por socorro. Leandro assumiu que havia dados umas chineladas em Bernardo. Graciele já tinha tentado asfixiá-lo com um travesseiro, contou assustado a sua babá, na época: Ele falou que estava dormindo e acordou naquele susto, sufocado e começou a gritar. Quando olhou, Graciele estava na sua frente e disse "não, eu só vim aqui para fechar a janela. Ele a viu com um travesseiro na mão. Será que o pai não sabia de nada mesmo, como essa mulher iria explicar o sufocamento, se tivesse tido sucesso?

Elaine Radke, sua ex-babá, repetidas vezes, o viu vagando pela cidade, abandonado, sujo e mal vestido.
Nunca saberemos com certeza o que aconteceu dentro das paredes daquela casa. Enquanto Graciele Ugulini odiava o menino, este tinha pavor dela, fato atestado inclusive pela avó paterna, Amélia Rebelato.

Dom Odilo Scherer, disse hoje, 21/07/14, em entrevista à Rede Vida, que as crianças e os idosos, na sociedade,  ficam invisíveis, sem voz e sem vez.
Bernardo gostava de conversar: falou, gritou, clamou, mas ninguém escutou.

O Juiz Fernando Vieira Santos decidiu que Leandro Boldrini merecia uma segunda chance e deu a ele um prazo de 90 dias para se acertar com seu filho. Uma nova audiência estava marcada para 13/05/14. 
Bernardo morreu faltando pouco mais de um mês para esse prazo expirar.

A promotora Dinamárcia nega descaso com a situação do menor:
- "Recebo por dia, três denúncias de maus-tratos ou crimes envolvendo menores, como vítimas ou autores. No mê em que Bernardo apareceu aqui, tive dois latrocínios com gargantas cortadas, praticados por adolescentes, e uma menina abusada sexualmente. Já no caso de Bernardo não havia risco iminente, por isso o juiz aceitou a palavra do pai, de que tudo mudaria para melhor.

A promotora pediu um estudo de caso, para ver o que ocorria na família Boldrini. A análise, em um laudo de cinco páginas, assinado pela assistente Juliana Kaufmann de Quadros e pela psicóloga Raquel Raffaeli, descrevem Bernardo como um menino emocionalmente carente, com "pai desatencioso e madrasta intolerante". É considerado um caso típico de negligência afetiva. Em nenhum momento, porém, o laudo menciona as agressões que o menino sofria. As informações da ex-babá foram repassadas por e-mail pelo advogado Marlon Taborda ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público, que decidiram então, marcar um audiência com familiares de Bernardo. A babá nunca foi ouvida.

Os Amigos

Em meio a garfadas de pizza de chocolate, com o olhar fugidio de sempre, Bernardo Boldrini deixou escapar em uma pergunta toda a angústia acumulada em seus 11 anos de vida.
– "Tia, tu pode ser minha mãe"?
A tia – na realidade, a enfermeira Andréia Oliveira Küntzell, mãe da melhor amiga de Bernardo – quase engasgou. Levou um choque e começou a lacrimejar. Num instante, recobrou-se, olhou firme para o garoto e topou:
– "Então vamos lá buscar as tuas coisas, vamos"!
Mas Bernardo teve, então, um instante de recaída:
–"E o meu pai, como vai ficar"?
– "Boa pergunta" – retrucou a “tia” Andréia.
Embora o pai de Bernardo, o conhecido cirurgião Leandro Boldrini, fosse ausente da vida do menino, o guri se preocupava com ele.Certa vez, no Espaço da Criança, mural do jornal Atos e Fatos, de Três Passos,Bernardo escreveu sobre suas preferências. Falou que gostava do Grêmio, de nhoque, de Michel Teló, que desejava ser médico psiquiatra quando crescesse e, no quesito Meu Herói, respondeu: - "meu pai".
Após o rápido diálogo, Andréia abraçou o garoto, e o delicado assunto daquela noite de dezembro passado não foi adiante. A conversa, no escaldante anoitecer de verão em Três Passos, voltou a ser a pizza com refrigerantes e a série de filmes Jogos Vorazes, que a criança adorava.Andreia Oliveira Küntzell, que via Bernardo pelo menos três vezes por semana não se espanta com o desfecho macabro do caso. Ela e Graciele trabalharam por quatro anos, na rede municipal de Três Passos, até Kelli migrar para a clínica de endoscopia na qual se associou com o marido, o cirurgião Leandro Boldrini.
Andreia lembra que Graciele levou a bebê dela, Maria valentina (meia-irmã de Bernardo) para vacinar, meses atrás e as queixas sobre o garoto eram infindáveis. "aquele demônio! Aquilo não vale nada, passa me incomodando. Tem uma cara para o pai e outra, verdadeira para mim.. teria se queixado Graciele. As brigas eram tantas que, admitiu Graciele, ele estava impedido de ver a irmã e de ter chave própria da casa. Andréia desconcertada, tentou dar uma ajuda e levava o garoto para jantar três vezes por semana, com a filha Maria Eduarda.Ela estranha que o pai de Bernardo nunca telefonava para ver e as coisa estavam bem:
 - "Era um excelente cirurgião, mas não parecia ligar para o destino do guri".
O espanto de Andreia se transformou em revolta quando, em dezembro do ano passado, nem Graciele nem Leandro compareceram à cerimônia de primeira comunhão de Bernardo. A decepção foi enorme também para a outra "mãe postiça" do menino, a técnica em enfermagem Nelda Maria, a Bugra, que chegou a chorar ao perceber a ausência do médico e da madrasta. Católica arraigada, tinha convencido a criança a frequentar missas. Foi com imensa felicidade que viu o menino se transformar em um destacado coroinha, sempre a auxiliar os padres e as freiras.
-"Era o menino do sorriso triste" - define a técnica  em enfermagem.
Bugra e o filho Alex- monitor no cole´gio Ipiranga, onde o menino cursava a 6ª série ,- ajudavam também o menino a aprender português. Ativo, irrequieto, Bê tinha dificuldade em se concentrar: 
- " Qualquer coisa tirava a atenção dele. Era ansioso, mas um guri meigo" - define Maria Eduarda Küntzell, colega e melhor amiga, com a sinceridade de seus 11 anos.
Eduarda ressalta que Bê (apelido de Bernardo), preferia ficar mais entre as meninas do que entre os meninos, porque era ridicularizado por ser atrapalhado, porque no futebol tinha pouco domínio e costumava perder a bola. No vôlei, levava boladas e muitos riam da situação. Com as meninas, ele  debatia filmes ou algum programa de TV.
Outros pessoas amigas de Bernardo eram a família Petry, que também o socorreram, quando da sua primeira comunhão juntamente com Andréia e Bugra. José e Juçara Petry , além de lhe fornecer roupas e até um quarto que ele ocupava de vez em quando, foi uma das famílias escolhida por Bernardo para o adotarem, além da família Küntzell. 
E Lucas Mïller, melhor amigo de Bernardo. Édison Mïller, dono de restaurante  e Simone, professora de português são os pais de Lucas:
 - "A relação era de abandono mesmo. Porque a gente não os via juntos nunca. Bernardo ia sozinho em reunião de pais no colégio. Várias vezes, eu o levei  para casa. e, normalmente, ainda tinha que ficar esperando cinco, dez minutos para eles abrirem o portão para ele entrar dentro de casa. Ele preferia ficar às vezes lá em casa do que na própria casa dele". - completa o empresário.
(http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2014/04/cotidiano-de-omissoes-carencia-e-frieza-culminou-no-assassinato-de-bernardo-boldrini-4479266.html)

Dificuldades
26/04/2014 | 09h41
Caso Bernardo: documentos revelam atuação da rede de proteção Divulgação/Arquivo Pessoal

Família de Carlos e Juçara Petry, que costumava acolher o menino, é citada nos ofícios. Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal

Quando o Ministério Público de Três Passos instaurou em 16 de dezembro de 2013 um procedimento administrativo — o PA número 00917.00052/2013 — para apurar suspeita de que Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, sofria negligência afetiva, o sofrimento a que o menino órfão de mãe estava submetido já datava de mais tempo — pelo menos, segundo registros oficiais, desde julho.
Ainda assim, mesmo que toda a cidade, a escola, o Conselho Tutelar, o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas), o Ministério Público e a Justiça tenham sabido, em algum momento, que ele tinha "medo", vivia em "abandono", "em situação de risco", sujo, malvestido, por vezes desnutrido, não existe dentro do PA que virou processo judicial nenhum depoimento formal de Bernardo.
Há apenas recortes do que o menino que vagava pelas ruas teria dito a autoridades e a amigos em momentos diversos, mas nunca foi consignado em documento um depoimento completo de Bernardo que, sozinho, na manhã de 24 de janeiro, ingressou no fórum para pedir ajuda. Um sucinto relatório do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), que recebeu Bernardo naquele dia, registra que ele declarou "estar sofrendo maus-tratos em casa, principalmente advindos de sua madrasta, recebendo ofensas verbais. Relatou ainda estar com medo e sentindo-se inseguro, pois é criticado constantemente."
No mesmo dia, ele foi levado até a promotora da Infância e da Juventude de Três Passos, Dinamárcia Maciel de Oliveira, que o ouviu por mais de meia hora. O que ele contou à representante do MP não está formalizado no processo. Bernardo desapareceu e foi morto 70 dias depois desse contato. Nesse período, ainda participou de audiência de "conciliação" com o pai, o médico-cirurgião Leandro Boldrini, um dos presos por suspeita de envolvimento em sua morte. O que o pai prometeu diante do juiz e da promotora para melhorar a relação com o filho e o que Bernardo falou, as condições que deu para aceitar permanecer sob a tutela do pai e da madrasta, também não está escrito no processo.
MP e Judiciário defendem que todo o procedimento no caso Bernardo foi correto e que não havia exigência de um depoimento formal dele ser registrado.
— "Houve uma subavaliação da palavra da criança, que é sujeito de direitos. Tudo que ele falou deveria estar consignado" — avalia João Batista Costa Saraiva, juiz aposentado e consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Zero Hora teve acesso a documentos que contam parte da história de Bernardo, de como a rede de proteção percebeu e registrou as dificuldades que ele enfrentava no seio familiar. O material mostra registros oficiais de órgãos da rede de proteção que datam de pelo menos desde julho de 2013.
— "Tão importante quanto buscar as responsabilidades pelo crime, é aprender com o caso em concreto, estudar o que ocorreu, capacitar melhor as pessoas. O aprendizado tem de ser usado em casos futuros, para que eventuais equívocos, eventualmente cometidos, sejam evitados" — defende o desembargador José Antônio Daltoé Cezar, que atuou por mais de duas décadas na área da Infância e Juventude.


PEDIDOS DE AJUDA

O que a rede de proteção registrou sobre Bernardo Uglione Boldrini:

Ofício do Colégio Ipiranga para o Conselho Tutelar, em 28 de novembro de 2013:
"O aluno Bernardo é um menino que demonstra a necessidade de chamar a atenção para si e de forma, muitas vezes, negativa, pois constantemente se recusa a realizar tarefas propostas em sala de aula tampouco traz o tema de casa realizado."
"Seu comportamento fora de sala de aula com professores e outras pessoas do âmbito escolar costuma ser carinhoso, educado, prestativo..."
"Após a vinda do Conselho Tutelar para conversa com o menino e da entrega de notas, parece que se sentiu valorizado e protegido, tendo na ocasião apresentado uma melhora no comportamento e interesse escolar..."

Ofício nº 236/2013, do Conselho Tutelar para o Ministério Público, em 29 de novembro de 2013:
"... levamos os profissionais do CREAS para conversar com o pai que no encontro não foi muito compreensivo, mas prometeu tomar algumas providências em relação a BERNARDO, fazer um acompanhamento psicológico e psiquiátrico, mas nos últimos dias parece que o caso se agravou, segundo denúncias de profissionais da saúde e a família da JU (Juçara Petry, com quem o menino costumava ficar), o Bernardo está muito debilitado, abatido e desnutrido, quase que abandonado, passa maior parte do tempo na casa de outras pessoas, que o pai nem liga para saber onde está, o pai não se faz presente em nenhum momento como nas atividades escolares, na escola, na igreja. Segundo relato, ele carrega medicamento controlado dentro de sua mochila sem nenhum acompanhamento."

Ofício nº 0177/2013, do Centro de Referência Especializado da Assistência Social para o MP, em 3 de dezembro de 2013:
"O senhor Leandro nos recebeu prontamente e em sua fala negou todos os fatos que lhe apresentamos."
"Outro fato que nos relataram, nos chamou a atenção e que vale aqui ressaltar é que com apenas 09 anos (idade anotada errado, pois tinha 11 anos) foi ele que providenciou, juntamente com sua catequista, toda sua documentação para poder cumprir o sacramento da comunhão. Nem seu pai, nem sua madrasta acompanharam o ano catequético de Bernardo, sendo que não foram em nenhuma reunião nem mesmo na primeira comunhão do filho."
"A comunidade de Três Passos, em geral, sabe que Bernardo é negligenciado por seu pai e sua madrasta. O fato que nos apresenta é que ele é apenas um menino de 09 anos e que não está recebendo os devidos cuidados que a idade lhe exige."

Ofício nº 249/2013 do Conselho Tutelar para o MP, em 11 de dezembro:
"O Conselho Tutelar esteve em contato com psiquiatra do CAPS sobre os medicamentos que ele prescreveu para BERNARDO, segundo informações do mesmo faz mais de meio ano que BERNARDO não comparece para atendimento e que na época da consulta verificou que BERNARDO precisava de um acompanhamento psiquiátrico e psicológico..."
Despacho de abertura de procedimento pelo Ministério Público, em 16 de dezembro de 2013
"Instaura-se PA, em favor da criança, que se encontra em situação de risco, em razão da negligência do pai/guardião."

Ação do MP pedindo colocação em "família extensa, mediante guarda provisória", em 31 de janeiro de 2014:
"O pai do menino é médico, conhecido e respeitado nesta pequena comunidade por seu trabalho."
"Ora, excelência, o caso é delicado e, até certo ponto, raro, dada a iniciativa da criança, ao buscar, por si mesma, uma solução para o problema familiar vivido"
"...optou-se por promover a presente medida sem a inquirição do Dr Leandro Boldrini na Promotoria de Justiça de modo a evitar que o menino Bernardo, eventualmente, pudesse sofrer maior agravo em sua já fragilizada relação intrafamiliar."

Despacho do juiz Fernando Vieira dos Santos em 3 de fevereiro de 2014, quando marcou audiência de conciliação:
"Ainda, para evitar represálias ao protegido, dada sua condição de vulnerável, o pai deve ser citado para a audiência na própria data da mesma e na mesma oportunidade em que o filho o for, diligenciando o oficial de Justiça na proteção do menino até o horário da audiência em questão." 

Petição em que o MP pede à Justiça a suspensão da guarda do menino pelo pai, feita depois do desaparecimento, em 7 de abril de 2014:
"...imediata suspensão da guarda provisória concedida ao genitor da criança em face da flagrante negligência paterna com o bem-estar da criança favorecida, a qual se encontra em lugar ignorado."
A partir do pedido do MP, o juiz Fernando Vieira dos Santos finalmente decide, em 8 de abril de 2014, o que Bernardo pedia há meses a amigos e a autoridades: viver sob a guarda de outra família. No data da decisão, o menino já estava morto havia quatro dias.
"As circunstâncias do desaparecimento revelam um quadro como o descrito na inicial: se a criança não é submetida a agressão física, parece ser tratado com excessiva indiferença pela madrasta e incompreensível omissão pelo pai..."
"Frente a essa situação, se BERNARDO for encontrado com vida e em boas condições de integridade pessoal, seu retorno à degradada realidade que enfrenta em seu lar parental é a medida menos acertada no momento. Logo, a suspensão da guarda, pretendida pela agente ministerial, é medida deveras acertada."

Arquitetando O Plano


Por um tempo, Bernardo parou de se queixar  do pai e madrasta. As coisas pareciam ter entrado no eixos e a reprimenda ao pai pelo Ministério Público pareia ter surtido efeito. Em 31/03/14, a promotora Dinamárcia o encontrou na calçada do fórum de Três Passos. Estava acompanhado de uma mulher e ele lhe devolveu o comprimento. Parecia tudo bem. A mulher, ouvida pela polícia declarou ter escutado de Bernardo: " essa e a mulher que vai mudar a minha vida".
E a vida pareceu realmente mudar, tanto que lhe foi prometido uma televisão nova e a possibilidade de poder ter em casa, um aquário doado por um amigo. Bernardo chegou a contar aos coleguinhas sobre os presentes que iria receber. Ele talvez não soubesse que parte da casa e também da clínica lhe pertenciam e este fato pode sido o motivo principal do crime: a disputa por 1,5 milhão em bens do médico e também uma pensão que provaria ser um estorvo nas pretensões ambiciosas da madrasta, conforme definiu amigos e inimigos.


Veja  abaixo últimos momentos de Bernardo com as assassinas



13:59 hs = Bernardo sai com Graciele e Edelvânia a bordo do siena prata.
15:32 hs = As duas mulheres retornam sem o garoto e entram no apartamento de Edelvânia
15:42 hs = Graciele se depede de Edelvânia e vai embora na caminhonete.
16:46 hs = Edelvânia caminha até o carro, retira do porta-malas,  duas sacolas e as joga em um latão de lixo defronte o apartamento.
16:47 hs = Ela retira mais duas sacolas do porta-malas e outra parecendo uma mochila de dentro do carro e entra no apartamento.
17:08 hs = O caminhão do lixo recolhe as sacolas.
17:33 hs = Edelvânia  caminha até o carro e depois sai à pé.
17:41 hs = Ela volta novamente até o carro.
17:42 hs = Edelvânia sai no carro. 

OBSERVAÇÃO = Em nenhum momento, Edelvânia retira ferramentas do carro. Dizem que ela retirou uma pá, mas o vídeo não mostra isso. A Delegada Caroline diz que ela estava com calosidades na mão por ter ajudado a escavar o buraco. Graciele disse que ajudou a escavar,  mas não foi falado que ela também tinha calosidades na mão. A pá ajudaria a explicar ter jogado terra por sobre o corpo, mas Edelvânia diz que jogou pedras. 
No domingo, 05/04/14, Edelvânia apareceu na casa da mãe e entregou-lhes as ferramentas, uma cavadeira e uma pá. Isso  compromete seriamente o irmão Evandro Wirganovicz.Não foi combinado que Graciele ajudaria a cavar o buraco, que já deveria estar pronto, sendo que o lugar é difícil de abrir, com muitas raízes. Quando perguntada sobre quem ajudou a cavar o buraco, Edelvânia desconversava. Onde estavam as ferramentas? Se Evandro Wirganovicz não matou o menino, no mínimo ajudou a encobrir o crime.


Ao saber que o irmão Evandro Wirganovicz havia sido preso em 10/05/14, Edelvânia, da cadeia, escreveu uma carta, inocentando o irmão. Ela afirmou que Evandro participou da ocultação do corpo, mas garantiu que ele não teve nenhum envolvimento no assassinato.

FONTES:  os textos escritos são compilados dos seguintes veículos de comunicação na Internet: G1/RBS TV, R7, Jornal Zero Hora, Diário de Santa Maria, jornal "A Razão", WH3.com.br, Radio Gaúcha, Extra SM, Jornal das Missões.




Um comentário:

  1. "A mãe de Odilaine, Jussara, era contra o namoro pois considerava o genro um homem muito mulherengo. "
    Bem que dizem: mães tem insights. Dona Jussara pressentia que ele (Leandro) não prestava. Pena que Odilaine não deu ouvidos.

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